terça-feira, 31 de maio de 2011

'AVE, SALVE, VALE', VERBOS DEFECTIVOS



VERBO DEFECTIVO é aquele a que falta algum modo, tempo, pessoa ou número. Em latim há uns tantos assim, que podem ser divididos didaticamente em três grupos:

1. Defectivos que só se conjugam no imperativo.

2. Defectivos que só se conjugam nos tempos do perfectum (perfeito, mais-que-perfeito e futuro perfeito).

3. Defectivos que significam dizer, perguntar, falar.

Hoje veremos o primeiro grupo. Estes defectivos são em número de três:

a) AVE, AVETE = BOM DIA! BOA TARDE! BOA NOITE! - Usado nos encontros. Encontra-se também a grafia com h: HAVE, HAVETE.

Ave (para uma só pessoa) e Avete (para mais de uma pessoa) são imperativos do verbo defectivo aveo, es, ere, que significa desejar boa saúde, saudar. Por aqui se entende que saudar alguém não é apenas proferir 'bom dia, boa tarde ou boa noite', mas desejar-lhe saúde, vigor físico. Ao pé da letra 'ave' significa 'desejo que tenha saúde'.

b) SALVE, SALVETE = BOM DIA! SALVE! - Usado nas recepções e boas vindas. 

Salve e Salvere são imperativos do verbo defectivo salveo, es, ere, que se traduz por passar bem, estar bem de saúde, estar salvo. O imperativo 'salve', então, ao pé da letra significa 'passa bem de saúde, esteja salvo'.

c) VALE, VALETE = ADEUS! PASSA BEM! - Usado nas despedidas. 

Vale e Valete são imperativos do defectivo valeo, es, ere, que significa ter valor, ter saúde, estar forte. Ao pé da letra é 'passa bem, tenha força, esteja forte".

OBS: Deve-se notar que em cartas são encontradas as formas SALVETO, VALETO e ainda SALVEBIS VALEBIS, correspondentes de salve e vale. As formas em -TO são imperativos futuros e em -BIS, futuro indicativo da voz ativa.

Paulo Barbosa.


segunda-feira, 30 de maio de 2011

A"INFLEXÃO" COMO MARCA DE INTERROGAÇÃO


Geralmente a oração interrogativa latina, assim como a portuguesa, começa ou por pronomes interrogativos - quis, qualis, quantus, quot, uter - ou advérbios interrogativos - cur, quid, quin, quando, quomodo, ubi, quo, qua, quantum - ou mesmo por partículas interrogativas - ne, num, utrum, nonne. 

Pode, porém, tanto em latim, quanto em nossa língua, a interrogação ser marcada pela inflexão ou entonação da voz. Desta maneira, com a devida modificação vocal temos interrogações em:

VIVIT? - VIVE?

PATERE TUA CONSILIA NON SENTIS? - NÃO SENTES QUE OS TEUS PLANOS ESTÃO DESCOBERTOS?

Paulo Barbosa.

domingo, 29 de maio de 2011

EPITÁFIO SATÍRICO E DIFERENÇA ENTRE ANIMUS E ANIMA


Ângelo Policiano, grande latinista do Renascimento, escreveu contra um inimigo seu, de nome Mabílio, o seguinte espitáfio satírico:

"Flecte, viator, iter, foetet nam, putre Mabili

Hac fovea corpus conditur atque animus".


"Ó caminhante, muda o caminho, porque fede. 

Está escondido nesta cova o podre corpo de Mabílio e a 

alma".

Aproveitando a oportunidade, em latim há animus e anima, com as seguintes diferenças:

ANIMUS é a alma em geral, onde as paixões e as impressões são recebidas. É o princípio da personalidade intelectual e moral. Em termos filosóficos diríamos que animus é o quo cogitamus et volumus, é o meio pelo qual pensamos e queremos.

ANIMA é propriamente o sopro vital, é a alma sob o seu aspecto psicológico. É o princípio de vida comum aos homens e aos animais. Em termos filosóficos anima é qua vivimus, o meio pelo qual vivemos, temos a vida.

Cícero escreveu: Difficile est animum perducere ad contemptum animae: É difícil levar a alma até ao desprezo da vida. Ou seja, é difícil termos uma personalidade tão forte e vigorosa (animus) a ponto de desprezar a própria vida (anima).

Paulo Barbosa.

sábado, 28 de maio de 2011

PREPOSIÇÕES E ABLATIVOS PREPOSICIONAIS QUE PEDEM GENITIVO

Ao se estudar a sintaxe preposicional, geralmente os manuais trazem que umas tantas preposições se constroem com acusativo, como ad, adversus, ante, apud, circa, circiter, per etc., enquanto outras constroem-se com ablativo, como a, ab, abs, absque, cum, coram, de, e, prae etc. Há, porém, um número bem reduzido destas que 'regem' genitivo e isto devido a empréstimo grego, ou seja, é um helenismo sintático. São elas:

1) TENUS = ATÉ. - Tem seu complemento no genitivo plural como:

Labrorum tenus = até aos lábios.

Aurium tenus = até às orelhas.

Tenus constrói-se também com ablativo, estando agora o complemento no singular:

Capulo tenus = até ao cabo.

Tauro tenus = até ao Tauro.

Pode-se também construir com o ablativo no plural:

Pectoribus tenus = até aos peitos. 

Esta preposição, na realidade, é uma posposição, isto é, sempre vem após a palavra regida.

2) CAUSA, GRATIA = POR CAUSA DE. - Apesar de registrados como advérbios nos dicionários, estes ablativos são enumerados pelos gramáticos no número das preposições em razão do sentido que têm. Podem ser denominados ablativos preposicionais.

Emolumendi sui gratia = por amor do seu interesse.

Usurpandi juris causa = por motivos de exercer jurisdição.

Estes ablativos preposicionais são também sempre posposições.

3) INSTAR = À MANEIRA DE. - Também um advérbio que funciona, por vezes, com força preposicional. 

Voluminis instar = à maneira de volume

4) ERGO = POR CAUSA DE. - Era propriamente conjunção semelhante à causa e gratia, porém Tito Lívio a emprega como preposição.

Forminidis ergo = por causa do medo.

5) CLAM = ÀS ESCONDIDAS. - Usado com genitivo entre os cômicos.

Clam patris= às escondida do pai.

Paulo Barbosa.

SINTAXE DOS PARTICÍPIOS LATINOS


O PARTICÍPIO latino é um adjetivo verbal e exatamente por isso concorda com o substantivo a que se refere em gênero, número e caso. No português não temos todas as modalidades participiais do latim, ou seja, só restou-nos o particípio passado, carecendo do presente e do futuro. 

Mulier amans = a mulher que ama ou a mulher amando.

Mulier amata = a mulher que foi amada ou a mulher amada.

Mulier amatura = a mulher que deverá amar ou a mulher que amará.

Mulier amanda = a mulher que deverá ser amada ou a mulher que será amada.

Note-se que estas orações são traduzidas em português por orações iniciadas pelo pronome relativo, ou seja, por orações adjetivas, justamente porque correspondem a um adjetivo verbal em latim. A mesma coisa ocorre do português para o latim, isto é, quando houver uma oração iniciada por pronome relativo, será traduzida para o latim com o particípio, desde que esse pronome seja sujeito:

A mulher que amava era bonita = Mulier amans pulchra est.

A mulher que foi amada era bonita = Mulier amata pulchra erat.

A mulher que amará é bonita = Mulier amatura pulchra est.

A mulher que será amada é bonita = Mulier amanda pulchra est.

Os particípios concertados, relacionados com o substantivo, como aqui vemos, é chamado de PARTICÍPIOS CONJUNTOS

O particípio como concorda com o substantivo, poderá estar em qualquer caso:

Nominativo - A mulher que ama é bela   -   Mulier amans pulchra est.

Vocativo - Ó mulher que ama, és bela!   -   Mulier amans, pulchra es!

Genitivo - Esta casa é da mulher que ama   -   Haec domus est mulieris amantis.

Acusativo - Conheço a mulher que ama   -   Cognosco mulierem amantem.

Dativo - Dei um presente à mulher que ama   -   Dedi munus mulieri amanti.

Ablativo - Fui amado pela mulher que ama   -   Amatus sum a muliere amante.

Paulo Barbosa.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

CORPUS INSCRIPTIONUM LATINARUM III


Nos sinos antigos encontra-se uma imensa variedade de inscrições. Num havia esta:

Vox mea vox vitae. Voco vos ad sacra. Venite

A minha voz (é) voz de vida. Chamo-vos para (as coisas) sagradas. Vinde.

Paulo Barbosa.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

IMPERATIVO FUTURO LATINO

O latim possui imperativo futuro, isto é, um enunciado de mandado, rogo ou súplica que se deve cumprir num tempo vindouro. Forma-se este modo com as formas sufixais TO, TOTE, NTO acrescentadas ao tema do verbo:

AMATO = AMA TU, para segunda pessoa do singular.

AMATO = AME ELE, para terceira pessoa do singular. Notar a desinência comum com a segunda pessoa, em TO.

AMATOTE = AMAI VÓS, para segunda pessoa do plural.

AMANTO = AMEM ELES, para terceira pessoa do plural.

Este TO é, portanto, como visto, a característica do imperativo futuro. Sua origem é um antigo ablativo pronominal -tod, de tema em -to, que possui o significado: 'a partir deste momento'. Então, estritamente é:

AMATO = AME ELE A PARTIR DESTE MOMENTO.

Este imperativo é usado em textos legais e em contratos:

SALUS POPULI SUPREMA LEX ESTO = A SALVAÇÃO DA REPÚBLICA SEJA A LEI SUPREMA.

BOREA FLANTE, NE ARATO, SEMEN NE JACITO = SOPRANDO O BÓREAS (= VENTO DO NORTE), NÃO ARES NEM SEMEIES.

NOCTURNA SACRIFICIA NE SUNTO = NÃO HAJA SACRIFÍCIOS NOTURNOS.

Paulo Barbosa. 

ORAÇÕES INTERROGATIVAS


Já presenciei discussões sobre como classificar as orações interrogativas, não chegando os debatedores a nenhuma solução plausível. 

Algumas orações interrogativas são subordinadas substantivas. Ainda não possuo dados suficientes para generalizar. Esta subordinação se indica em latim como em português mediante um pronome ou um advérbio interrogativo, que pode ser quis (que?), quotus (quantos?), an (acaso?), ne (porventura?), num (acaso?), utrum (porventura?) e alguns outros mais. As interrogativas iniciadas por tais pronomes ou advérbios são dependentes, e portanto subordinadas, de verba sentiendi e dubitandi, ou seja, de verbos de entendimento e de dúvida, tais como dicere (dizer), rogare (pedir), dubitare (duvidar). Assim:

QUOTA HORA SIT? - QUE HORA É? é oração subordinada substantiva objetiva direta. Vejamos:

DIC MIHI QUOTA HORA SIT. - DIGA-ME QUE HORA É.


UBI PATER MEUS SIT? - ONDE ESTÁ MEU PAI? é oração subordinada substantiva objetiva direta:

ROGO UBI PATER MEUS SIT. - EU PERGUNTO ONDE ESTÁ MEU PAI.

Paulo Barbosa.

terça-feira, 24 de maio de 2011

CORPUS INSCRIPTIONUM LATINARUM II

Na sala de jantar dos Romanos, costumava haver a seguinte inscrição sobre o triclínio:


Triclínio

E. V. V. N. V. V. E.

iniciais da seguinte recomendação:

EDE VT VIVAS, NE VIVAS VT EDAS

COME PARA QUE VIVAS, NÃO VIVAS PARA QUE COMAS

OBS: A conjunção latina UT (= PARA) não pode ser seguida de infinitivo, mas somente de um verbo no subjuntivo quando expressar finalidade ou intenção. Esse o motivo de não se traduzir ut vivas por para viver e ut edas por para comer.


Paulo Barbosa.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

COMO TRADUZIR CERTAS CONSTRUÇÕES


Há na língua portuguesa muitas orações de construção ativa mas de sentido passivo, como por exemplo as seguintes:

Invejam-me, que equivale à passiva: eu sou invejado.

Apertaram-me, que equivale a: eu fui apertado.

Ouvem-me, que equivale a: eu sou ouvido.

Prenderam-me, que equivale: eu fui preso.

Estas orações, claro, são traduzidas em latim com o verbo na voz passiva:

Invejaram-me = invideor = eu sou invejado.

Apertaram-me = compressus sum = eu fui apertado.

Ouvem-me = audior = eu sou ouvido.

Prenderam-me = captus sum = eu fui preso.

Por outro lado, expressões passivas em latim podem ser traduzidas ativamente em português:

Dicor esse vir linguae latinae peritus, que ao pé da letra se traduz: sou dito ser homem perito em língua latina (= latinista), mas a tradução portuguesa pode ser: dizem que eu sou latinista, ou diz-se que eu sou latinista.

Dictum est esse Flora magistra, ao pé da letra: foi dito ser Flora mestra, mas à portuguesa pode-se traduzir: disseram que Flora é mestra

Pelo visto, pode-se concluir que ao se traduzir não deve o estudioso se prender à letra de um texto português para passá-lo ao latim e da mesma maneira do latim para o português. O texto deve ser analisado e a sua tradução deverá prender-se ao sentido e não a palavra por palavra.

Paulo Barbosa.

domingo, 22 de maio de 2011

"SIM" E "NÃO" EM LATIM


Os Latinos não possuíam propriamente uma palavra para responder SIM. Como faziam então?

Para responder SIM:

1) Ou repetiam o verbo da pergunta:

ESTNE PATER TUUS HIC? - Resposta: EST.

[ESTÁ TEU PAI AQUI? - Resposta: ESTÁ].

LEGISTINE LIBRUM? - Resposta: LEGI.

[LESTE O LIVRO? - LI].

2) Ou então empregavam algum advérbio:

ITA = ASSIM É

SANE = PERFEITAMENTE

VERO = NA VERDADE

ITA EST, ITA VERO, SANE QUIDEM = PERFEITAMENTE, NA VERDADE


Para responder NÃO:

1) Usavam as seguintes palavras:

NON = NÃO

NON + VERBO = NON EST (=NÃO É, NÃO EXISTE); NON LEGI (= NÃO LI)

NON QUIDEM = NÃO, NA VERDADE


MINIME = MINIMAMENTE


MINIME VERO = MINIMAMENTE, NA VERDADE


No latim pós-clássico, entretanto, usou-se para SIM:

UTIQUE (advérbio que no período clássico significava: em todo caso; de toda maneira; sempre; sem exceção).

E para NÃO:

NEQUAQUAM (advérbio que no período clássico significava: de maneira nenhuma, de modo nenhum).


Paulo Barbosa.

VÍCIOS QUE DEVEM SER EVITADOS


Alguns vícios, aliás, todos, devem ser evitados por quem produz textos ou discursa. Dentre estes destacaremos os três seguintes nos quais até autores de monta deslizaram:

A MACROLOGIA é o vício que consiste em uma exposição prolixa, denominada em latim LONGILOQUIUM, na qual se incorporam coisas sem necessidade. Tito Lívio, por exemplo, usou esta figura viciosa ao escrever:

"Legati non inpetrata pace retro unde venerant domum reversi sunt"

"Não havendo conseguido a paz, os legados regressaram voltando a seu país, de onde haviam saído" (Fragm. 64. M).

A TAPINOSE consiste em diminuir a grandeza de algo, em diminuir-lhe a magnitude. A palavra mesma, do grego, significa pequenez. Virgílio usou o artifício quando escreveu:

"Apparent rari nantes in gurgite vasto"

"Aparecem poucos (náufragos) nadando no imenso abismo" (Aen. 9,609).

Virgílio empregou 'abismo' em lugar de 'mar'.

A ACIROLOGIA consiste no emprego impróprio de uma palavra. Lucano a cometeu ao escrever:

"Liceat sperare timenti"

"Permita-se ao temeroso ter esperança" (2,15)

pois é mais próprio ao temeroso ter medo que esperança.

Em Virgílio também se encontra o escorregão:

"Gramineo in campo"

"Em um campo gramíneo" (Aen. 5,287)

pois é mais apropriado empregar o adjetivo 'graminosus' do que 'gramineus'.

Paulo Barbosa.

sábado, 21 de maio de 2011

CORPUS INSCRIPTIONUM LATINARUM I


Numa chaminé do palácio do príncipe de Magdaloni, em Nápoles, lia-se este seguinte verso:

Si propius steteris, flagras; si longius, alges

Se estiveres mais perto, te queimas; se longe demais, gelas.

Na sineta do refeitório de um convento, nos arredores de Lovaina, Bélgica, havia a seguinte inscrição:

Vox mea vox grata, cibaria dico parata

A minha voz é voz agradável, anuncio as comidas estarem preparadas


Paulo Barbosa.

QUID EST HOMO? - QUE É O HOMEM?

Um poeta lusitano, Tiago Falcão, de data ignorada, escreveu em latim os seguintes quatro versos:

Quid est homo? Prius lutum,
Statim puer, repente vir,
Cito senex, brevi cinis,
Dehinc nihil, merum nihil.

Que é o homem? Primeiro lodo,
Logo depois criança, de repente homem,
Depressa velho, em breve cinza,
Depois nada, puro nada.

Paulo Barbosa.

O VERBO 'AGERE' E SEUS DIVERSOS SIGNIFICADOS. SUA DIFERENÇA DE 'DUCERE'


O verbo latino AGERE possui mais de 10 acepções diferentes, dependendo do contexto em que é empregado. Aqui veremos apenas quatro destas, mas antes, porém, saibamos que é deste verbo que provém ação, agir, agente, palavras de nossa língua.Vejamos:

1. A primeira e original é a de FAZER e FAZER ANDAR PARA FRENTE. O termo veio da linguagem pastoril, pois o pastor agit, leva para diante de si ou faz andar diante de si o gado. Na Eneida encontra-se o verbo a significar fazer uma nau ir adiante.

Diferença há entre agere e ducere. Agere é fazer andar diante de nós, enquanto ducere é marcharmos nós à frente para guiar, conduzir, ser o dux, o chefe.

Existiu também o agolum, cajado do pastor, com que ele fazia andar - agit - o gado. 

2. Pode também agere ser empregado em relação a pessoas e coisas.  

Empregado com pronomes pessoais significa IRA PARA, e conserva esta significação mesmo quando os pronomes estão subentendidos. Exemplos:

Quo te agis? Para onde vais?

Quo agis? Para onde vais?

Deve-se notar que do imperativo de agere, que é age, juntado à partícula dum, criou-se uma espécie de interjeição ou, segundo outros, advérbio: AGEDUM, que significa VAMOS! Na realidade, agedum é uma interjeição ou advérbio exortativo. 

O imperativo age funcionando como advérbio também foi usado junto a imperativo plural, como em AGE FACITE, VAMOS, FAZEI

3. Agere significou ainda, no teatro, REPRESENTAR, FAZER DE. Assim:

Agere partes = fazer o papel de.

Agere fabulam = representar uma comédia.

Paulo Barbosa.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

ORAÇÃO INFINITIVA OU ACUSATIVO SUJEITO


A ORAÇÃO INFINITIVA também chamada ACUSATIVO SUJEITO ou ACUSATIVO MAIS INFINITIVO é aquela oração subordinada que tem o seu sujeito no acusativo e o verbo no infinitivo. 

Então, em latim, quando se quiser traduzir a seguinte oração: Creio que Paulo estuda, não se traduz o que; depois, o sujeito da oração subordinada (que Paulo estuda) vai para o acusativo e o verbo vai para o infinitivo. É por isso que se chama oração infinitiva:

CREDO PAULUM STUDERE.
Or. Principal     Or. Subordinada Objetiva Direta

Este tipo de oração ou sintaxe do infinitivo se dá quando o verbo da oração principal pertencer ao grupo dos verba declarandi, dos verba sentiendi, dos verbos impessoais.

Verba declarandi são os verbos ou expressões indicativos de declaração como dizer, provar, demonstrar, responder, etc. Em latim:

affirmo = afirmar
conclamo = gritar
declaro = declarar
dico = dizer
doceo = ensinar
edico = proclamar
narro = narrar
nego = negar
nuntio = anunciar
promitto = prometer
respondeo = responder
scribo = escrever

Verba sentiendi são os verbos que indicam entendimento, conhecimento, como pensar, saber, conhecer, ouvir, observar, crer, etc. São também denominados verbos sensitivos. Em latim:

accipio = aprovar
audio = ouvir
cogito = pensar
cognosco = conhecer
credo = crer
duco = julgar
ignoro = ignorar
intelligo = entender
nescio = ignorar
puto = julgar
scio = saber
sentio = entender
spero = pretender
video = julgar, entender

Verbos impessoais e expressões tais como apparet (é claro) constat (é certo), oportet (é preciso), placet (agrada) par est (é justo), pudor est (ter vergonha), turpe est (é vergonhoso), verum est (é verdade), necesse est (é necessário), etc.  Com estes e semelhantes verbos e expressões a oração infinitiva é subjetiva, ou seja, funciona como sujeito.

Vamos aos exemplos:

Rex affirmat esse milites impavidos - affirmat, verbum declarandi. Logo, oração subordinada infinitiva.
[O rei afirma que os soldados são valentes].

Vidimus lupum currere - vidimus, verbum sentiendi. Logo, oração subordinada infinitiva.
[Vimos o lobo correr].

Credo Deum esse - Credo, verbum sentiendi. Logo...
[Creio que Deus existe].

Decet verecundum esse adulescentem - Decet, verbo impessoal. Logo, oração subordinada infinitiva. Neste caso aqui a subordinada é subjetiva: O que decet? A resposta ao verbo é o sujeito.
[Convém que um adolescente seja reservado].

Necesse est amare Deum - Necesse est, expressão que pede oração subordinada infinitiva. Da mesma maneira, a subordinada é subjetiva: O que necesse est?
[É necessário amar a Deus].

Ainda com as expressões dicitur (diz-se); creditur (julga-se); nuntiatur (anuncia-se) e traditur (conta-se) emprega-se a oração infinitiva. A subordinada, como acima, é subjetiva.

Dicitur cervos diutissime vivere - [Diz-se que os cervos vivem muito tempo]. 

Traditum est Homerum fuisse caecum - [Conta-se que Homero era cego].

O que vimos nestas orações subordinadas é que a partícula QUE, existente na língua portuguesa, não se traduz em latim, pois a subordinada se conecta à oração principal diretamente, com o sujeito no acusativo e o verbo no infinitivo. Logo, com tais espécies de verbos - declarandi, sentiendi, impessoais -  não se usa o conectivo que, pois seria mau latim. Acontece, todavia, que na latinidade posterior à idade áurea, muitos escritores começaram a usar o QUE, em latim QUOD, neste tipo de oração, num atentado frontal à canônica da língua clássica. Podemos exemplificar com próprio Santo Tomás de Aquino, que segue na fonética e na morfologia o paradigma clássico, mas na sintaxe desconsidera algumas vezes os padrões da oração infinitiva e escreve, por exemplo:

NECESSE EST QUOD ACTIVA POTENTIA DEI SIT INFINITA, usando o conectivo quod após necesse est. Deveria ser:

NECESSE EST ACTIVAM POTENTIAM DEI ESSE INFINITAM
[É necessário que a potência ativa de Deus seja infinita].

Noutro passo, Santo Tomás escreve:

OSTENSUM EST AUTEM SUPRA QUOD DEUS NON POTEST..., e que deveria ser:

OSTENSUM EST AUTEM SUPRA DEUM NON POTERE...
[Foi demonstrado, porém, acima, que Deus não pode...].

Nas muitas fórmulas feitas encontradas nas obras tomasianas, como as seguintes:

"AD PRIMUM, SIC PROCEDITUR. VIDETUR QUOD", onde o conectivo liga-se ao verbum sentiendi video, julgar, entender, parecer.
[Em relação ao primeiro, assim se procede. Parece que].

"RESPONDEO DICENDUM QUOD", da mesma maneira o quod ligado verbum declarandi dico, dizer.
[Respondo dizendo que].

Foi por este desvio da norma que Francisco Sanches, mestre renascentista de latim em Salamanca, nos fins do século XVI, autor de Minerva seu de causis linguae latinae, declarou sobre a partícula latina quod:

"A partícula quod foi a primeira que ousou, depois do século de ouro de Cícero, deturpar a língua latina. Foi ela que dilacerou do pior modo possível [pessime dilaceravit] a dialética de Platão e Aristóteles e uma e outra filosofia; esta esquartejou o ensino de ambos os direitos (civil e eclesiástico) com as traduções e os comentários dos bárbaros. Foi ela também que contra os comentários e as versões da Sagrada Teologia de tal modo se precipitou que lançou para o mais fundo abismo da barbárie homens aliás doutíssimos. Pelo que tanto mais me irrito contra Erasmo de Rotterdam que, tendo tentado traduzir para latim o Novo Testamento, não pode ou não soube evitar esta peste, que deu cabo da língua latina".

Paulo Barbosa.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

LATIM FORENSE I: ALGUMAS EXPRESSÕES MAIS COMPLICADAS


DE LEGE FERENDA = DA LEI A SE CRIAR, DA LEI QUE DEVE SER PROMULGADA. Um dos sentidos do verbo latino 'fero, fers, tulli, latum, ferre' é 'criar, promulgar'. Daí, o adjetivo verbal, também chamado gerundivo, 'ferendus, a, um' significar 'a ser criado', 'que deve ser criado'.

JURIS ET DE JURE (IURE ET DE IURE) = DE DIREITO E PELO DIREITO, é a tradução literal. Significa esta expressão a pretensão absoluta, isto é, aquela que não admite prova em contrário nem impugnação. 'Juris' é genitivo de jus (= o direito) e se traduz "do direito" e 'de jure' é ablativo que se traduz 'por direito'.

JURIS TANTUM = SÓ DE DIREITO, é o oposto da expressão anterior. Significa a pretensão que admite prova em contrário e, portanto, impugnação. 'Tantum' é advérbio e se traduz por ', somente' e 'juris' já vimos que é o genitivo 'de direito'.

AD REFERENDUM = PARA SER TRAZIDO DE VOLTA, PARA SER LEVADO PARA TRÁS. Esta expressão significa que alguma proposta deve ser posta para consulta aos interessados, ser aprovada ou não e logo em seguida ser trazida de volta. 'Ad' é preposição latina de acusativo e se traduz 'para'. 'Referendum' é o gerúndio do verbo 'referre', 'levar para trás'.

DE CUJUS = DE CUJA = O FALECIDO. No direito, o falecido é conhecido como 'de cujus' e esta expressão provém da oração: DE CUJUS SUCCESSIONE AGITUR = [AQUELE] DE CUJA SUCESSÃO SE TRATA, ou seja, o falecido. 

PRO RATA = EM PROPORÇÃO. 'Rata' é o ablativo de 'ratus, a, um', particípio perfeito latino que significa 'calculado, contado, computado' e 'pro' é preposição de ablativo e significa 'conforme, segundo'. Também se diz PRO RATA PARTE = EM PROPORÇÃO ÀS PARTES; PRO RATA PORTIONE ou PRO RATA DIE = EM PROPORÇÃO AOS DIAS.

Paulo Barbosa.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

PAROMEON, INTERESSANTE FIGURA LITERÁRIA

O PAROMEON é um figura literária muito interessante, que consiste em uma série de palavras iniciadas todas com as mesmas letras. O encontramos no poeta rudiano Quinto Ênio, em seus Annales, 109:

O Tite, tute Tati tibi tanta tyranne tulisti!

[O Tito, tão grande tirania tiveste tu que suportar de Tácio!]

Virgílio também usou desta figura, mas de maneira mais moderada, ou seja, apenas na primeira parte de um verso da Eneida 1, 295: 

Saeva sedens super arma

[Sentada, cruel, sobre as armas]

Ou na segunda parte, na mesma Eneida 3, 183:

Sola mihi tales casus Cassandra canebat

[Somente a mim predizia Cassandra desgraças tais]

Paulo Barbosa.

ORAÇÕES SUBSTANTIVAS REDUZIDAS DE INFINITIVO


Em breve pretendemos estudar aqui uma particularidade sintática do verbo latino muito importante, a ORAÇÃO INFINITIVA ou DE ACUSATIVO MAIS INFINITIVO. Porém, para a compreensão desta, é necessário saber previamente o que é oração subordinada, que esta se divide em três espécies, substantiva, adjetiva, adverbial, e que cada espécie, por sua vez, se subdivide em tantas outras. Depois, que podem ser desenvolvidas e reduzidas. Para nosso intento, que é o estudo das orações infinitivas, é suficiente saber e bem orações substantivas, sobretudo as subjetivas e objetivas diretas. Aos interessados, aconselho, então, numa boa gramática, estudar as orações subordinadas substantivas desenvolvidas.  Como, porém, é raro encontrar um estudo mais profundo das mesmas, porém reduzidas, exporemos aqui de maneira sucinta.

ORAÇÃO REDUZIDA é aquela que apresenta o verbo principal ou auxiliar, quando em locuções verbais, no infinitivo, gerúndio ou particípio.

OBS: Infinitivo, gerúndio e particípio são formas nominais do verbo, chamadas também de verbóides. O infinitivo apresenta o processo verbal em si mesmo, sem se referir a um dado momento de sua realização, como amar. O gerúndio apresenta, junto a um substantivo, uma qualificação dinâmica, em contraste com o adjetivo, que expressa qualificação estática, como em Vi crianças brincando. O particípio apresenta aspecto perfeito, concluso e até mesmo permansivo, como em Menina amada.


ORAÇÃO REDUZIDA DE INFINITIVO

As orações reduzidas de infinitivo podem ser substantivas, adjetivas e adverbiais, da mesma maneira que as orações subordinadas desenvolvidas. Aqui trataremos apenas das substantivas, que por sua vez subdividem-se em subjetivas, objetivas diretas, objetivas indiretas, completivas nominais, predicativas e apositivas. Entretanto, para melhor compreensão das orações infinitivas, é bom que se saiba bem sobretudo as objetivas diretas, conforme dissemos acima.

SUBSTANTIVAS SUBJETIVAS: a reduzida funciona como sujeito da oração principal.

1) Parece-lhe bom chamar-me louco? - Que parece bom? Chamar-me louco = Oração Subordinada Substantiva Subjetiva Reduzida de Infinitivo.

2) Convém estudar latim. - Que convém? Estudar latim = Or. Sub. Subs. Subj. Red. Inf.

3) Basta sermos inteligentes. - Que basta? Sermos inteligentes = Or. Sub. Subs. Subj. Red. Inf.

4) Comentava-se estarem próximas as provas. - Que comentava-se? Estarem próximas as provas = Or. Sub. Subs. Subj. Red. Inf.

5) É necessário estudar para o seminário. - Que é necessário? Estudar para o seminário = Or. Sub. Subs. Subj. Red. Inf.

SUBSTANTIVAS OBJETIVAS DIRETAS: a reduzida funciona como objeto direto, ou seja, como integrante.

1) Espero namorar você. - Espero o que? Namorar você = Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta Reduzida de Infinitivo.

2) Manda estudar Cícero. - Manda o que? Estudar Cícero = Or. Sub. Subs. Obj. Dir. Red. Inf.

3) Deixai vir a mim as criancinhas. - Deixai o que? Vir a mim as criancinhas = Or. Sub. Subs. Obj. Dir. Red. Inf.

4) Sentiu arrepiar-lhe os cabelos. - Sentiu o que? Arrepiar-lhe os cabelos = Or. Sub. Subs. Obj. Dir. Red. Inf.

5) Ouvi o cão ladrar. - Ouviu o que? O cão ladrar = Or. Sub. Subs. Obj. Dir. Red. Inf.

SUBSTANTIVAS OBJETIVAS INDIRETAS: a reduzida funciona como objeto indireto.

1) Nada obsta a sermos superiores. - Nada obsta a que? A sermos superiores = Oração Subordinada Substantiva Objetiva Indireta Reduzida de Infinitivo.

2) Eu me incumbo de ajudar aos demais. - Eu me incumbo de que? De ajudar aos demais = Or. Sub. Subs. Obj. Ind. Red. Inf.

3) Convenço vocês de estudar bastante. - Convenço de que? De estudar bastante = Or. Sub. Subs. Obj. Ind. Red. Inf.

4) Acuso-me de agir mal. - Acuso-me de que? De agir mal = Or. Sub. Subs. Obj. Ind. Red. Inf.

5) Teu silêncio não nos impede de saber a verdade. - Teu silêncio não nos impede de que? De saber a verdade = Or. Sub. Subs. Obj. Ind. Red. Inf.

SUBSTANTIVAS COMPLETIVAS NOMINAIS:  a reduzida completa o sentido de um substantivo ou adjetivo.

1) Tenho convicção de falar a verdade. - Tenho convicção de que? De falar a verdade = Oração Subordinada Substantiva Completiva Nominal Reduzida de Infinitivo.

2) Você não é digna de permanecer conosco. - Você não é digna de que? De permanecer conosco = Ora. Sub. Subs. Compl. Nom. Red. Inf.

3) Fui prevenido de falar com moderação sobre a flora italiana. - Fui prevenido de que? De falar com moderação sobre a flora italiana = Or. Sub. Subs. Compl. Nom. Red. Inf.

4) Estavas desejoso de conhecer a verdade. - Estavas desejoso de que? De conhecer a verdade = Or. Sub. Subs. Compl. Nom. Red. Inf.

5) Estou certo de falar contigo hoje. - Estou certo de que? De falar contigo hoje = Or. Sub. Subs. Compl. Nom. Red. Inf.

SUBSTANTIVAS PREDICATIVAS: a reduzida liga-se ao sujeito da oração principal mediante um verbo de ligação, geralmente o verbo ser.

1) Meu grande ideal é estudar. - Estudar = Oração Subordinada Substantiva Predicativa Reduzida de Infinitivo.

2) Seu desejo foi ensinar aos alunos. - Ensinar aos alunos = Or. Sub. Subs. Pred. Red. Inf.

3) O essencial seria andarmos juntos. - Andarmos juntos = Or. Sub. Subs. Pred. Red. Inf.

4) O sonho do mestre é ver os alunos aprendendo. - Ver os alunos aprendendo = Or. Sub. Subs. Pred. Red. Inf.

5) O objetivo dela era casar neste ano. - Casar neste ano = Or. Sub. Subs. Pred. Red. Inf.

SUBSTANTIVAS APOSITIVAS: a reduzida vem, geralmente, depois de dois pontos e serve de aposto.

1) Só penso uma coisa: praticar o bem.

2) Maria revelou seu sonho: ser mãe.

3) Ricardo falou de seu desejo: cursar medicina.

4) Eis a questão: ser ou não ser.

5) Revelo a todos: viajar é ótimo.

Paulo Barbosa.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O VERBO TER NÃO SIGNIFICA EXISTIR, MAS POSSUIR

O verbo TER não possui a acepção de existir, mas de POSSUIR. Por esse motivo, segundo a norma, são erradas frases como:

"Não tem nada na bolsa". O correto é: "Não nada na bolsa".

"Não tem de quê". O correto é: "Não de quê".

"Não tem lugar". O correto é: "Não lugar".

"Não tem vaga". O correto é: "Não vaga".

Gramáticos há, entretanto, como Manoel Ribeiro, que defendem o uso do verbo ter significando existir. Nomeiam este procedimento de CRUZAMENTO SINTÁTICO ou CONTAMINAÇÃO SINTÁTICA, que seria a fusão de duas construções. Assim:

"Tem muita gente na rua" é caso de cruzamento sintático ocorrido em tem, pois provém da seguinte fusão:

a) muita gente na rua. 

b) A rua tem muita gente.

Em latim, o verbo ter é habere, no sentido de posse também e nunca no de existir.

Paulo Barbosa.

EXÓRDIO DE UM DISCURSO LAUDATÓRIO DE GIOVANNI CATALDO PARÍSIO

Cataldo Sículo
Giovanni Cataldo Parísio, conhecido também como Parísio Sículo foi um poeta humanista dos séculos XV-XVI, nascido provavelmente na Sicília, em 1455, mais precisamente em Palermo. Foi para Portugal em 1485 a convite do rei Dom João II, para ser professor de seu filho bastardo, Dom Jorge, que se encontrava sob a tutela da princesa Santa Joana, irmã do rei, no Convento de Jesus, em Aveiro. Foi ainda professor de Dom Afonso, filho legítimo do rei com Dona Leonor. Mais tarde, devido a seu imenso conhecimento do latim e à sua diserta oratória, começou a secretariar diretamente ao rei na redação de cartas em latim destinadas à Santa Sé e a monarcas e príncipes europeus. Morreu em 1517 em Portugal, após longa enfermidade que o deixou paralítico.

Cataldo pronunciou na cidade de Évora o discurso de saudação à princesa Isabel de Castela, noiva do príncipe Dom Jorge, que chegava para se casar. Aqui veremos o exórdio desta preciosidade literária em latim e, em seguida, sua tradução. É uma verdadeira pérola de oratória, onde a princesa é tratada como uma divindade, mostrando assim o esplendor da nobreza absolutista do Renascimento. Podemos também conferir por esta peça literária como o latim, e aqui o humanístico ou renascentista, era usado na vida pública das cortes, indo de cartas a discursos. Aliás, o latim renascentista tornou-se mesmo o veículo de comunicação internacional na Europa de então.


EXÓRDIO DO DISCURSO DE ENTRADA EM ÉVORA DA PRINCESA DONA ISABEL


"Ecce lux mundi tandem apparuit, ecce lux mundi tandem effulsit, ecce lux mundi tandem aduenit, quae longo tempore non sine maximo omnium gentium dolore latuit. Quae lux adeo clara, adeo splendida, adeo potens est ut omne oculorum meorum acumen intuenti mihi suis radiis eripiat, auditum minuat, linguam dicenti torpere, mentem omnem prorsus faciat hebescere. Quid dicam, quid agam, quo me uertam, nescio. Nunc nunc uellem, clarissima lux, licere oratoribus quid poetis licet: in principio operum numen aliquod inuocare. Ego enim non unius, aut Phoebi aut Calliopes, sed omnium deorum auxilium implorarem. In his paucissimis quae ciuitatis Eburae nomine celsitudini tuae expositurus uenio. Immo (ut christiane loquar) ad Deum ipsum, omnium rerum conditorem, quem trinum et unum credimus, confugerem. Quinetiam tanta est nunc mentis meae trepidatio, tanta animi caligo, tanta confusio ex claritatis tuae aspectu meis uisceribus exorta ut salua pace nullorum deorum, nullarum dearum memor exstam, sed tantummodo numinis tui incredibilem uigorem pauidus, stupidus, trepidus, territus, et uix pedibus me sustinens mecum ipse contemplor, quandoquidem formosissimi corporis figuram prae immenso splendore (ut desidero) intueri nequeo. Terrent etiam me animi tui inumerae uirtutes, quarum (ut publica fama est) quae magis excellat in te difficile est iudicare. Et certe licet non nihil paratus premeditatusque ad dicendum ueneram, uiso tamen tanti sideris fulgore, statim quid dicendum proposueram, e memoria excidit quid cum perdiderim, me quoque hoc dedecore perditum esse animaduerto".


[Eis que a luz do mundo enfim apareceu, eis que a luz do mundo enfim refulgiu, eis que a luz do mundo enfim aproximou-se, ela que por muito tempo se escondeu, não sem a dor máxima de todos os povos, luz que é a tal ponto clara, a tal ponto esplêndida, a tal ponto potente que toda a acuidade de meus olhos arranca, com seus raios, a mim que a contemplo, diminui minha audição, faz entorpecer a língua, a mim que discurso, faz, em verdade, enfraquecer-se absolutamente toda a minha mente. O que direi, o que farei, para onde me virarei, não sei. Agora mesmo, ó ilustríssima luz, eu desejaria que fosse permitido aos oradores o que é permitido aos poetas: invocar alguma divindade no início de suas obras. Com efeito, eu mesmo não imploraria o auxílio de uma só divindade, do deus Febo ou da musa Calíope, mas o auxílio de todos os deuses, nestas palvras tão breves, que venho expor, a vossa majestade, em nome da cidade de Évora. De outro modo, para falar de maneira critã, eu me refugiaria junto ao próprio Deus, criador de todas as coisas, que cremos ser trino e uno. De que forma é tão grande a trepidação de minha mente agora, tão grande a neblina de meu espírito, tão grande a confusão nascida da percepção de tua claridade em minhas entranhas que, sem dúvida, não me lembrarei de nenhum deus, nem de nenhuma deusa, mas tão somente contemplo eu mesmo, comigo, apavorado, estarrecido, trepidante, atemorizado, e mal me sustendando em meus pés, o incrível vigor de tua divindade, porque não posso perceber o aspecto deste formosíssimo corpo, como desejo, diante deste imenso esplendor. Também aterrorizam-me as inúmeras virtudes de teu espírito, das quais, como já é notório, qual mais se sobressai em ti é difícil de julgar. E certamente, embora eu viesse preparado e premeditado para discursar algo, visto, entretanto o brilho de tão grande estrela, aqui de pé, o que me propusera para discursar escapou-me da memória, quando perdi-me, percebo ter me perdido nesta indignidade].

Paulo Barbosa.