quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A QUANTIDADE VOCÁLICA

As vogais latinas são ora breves, ora longas, ou seja, são pronunciadas com som agudo e rápido ou com som amplo e prolongado, sendo as primeiras abertas e as segundas fechadas.

Nos tempos arcaicos a vogal longa às vezes era dobrada, de modo que FELIX se grafava FEELIX, e quando o i era longo era grafado ei, como em heic, mas que sempre se pronunciou hic

Às vezes uma palavra escrita com dupla vogal era pronunciada como se tivesse apenas uma, como deest, deerunt, dii = dest, derunt, di.

Paulo Barbosa

sábado, 13 de dezembro de 2014

ACENTUAÇÃO LATINA

As palavras latinas nunca são oxítonas, ou seja, o acento nunca recai na última sílaba. Portanto, nos dissílabos se acentua sempre a primeira sílaba: ma, ámor, sa, sa.

Nos polissílabos, palavras de tres ou mais sílabas, é a penúltima sílaba que resolve a acentuação, de acordo com a quantidade, ou seja, o tempo gasto na prolação ou emissão da sílaba:

a) se acentua a penúltima - paroxítonas - se esta for longa (pausada na prolação): cedit (cortou), ocdit (matou)

b) se acentua a antepenúltima - proparoxítonas - se a penúltima for breve (rápida na prolação): cidit (caiu), óccidit (morreu).

Paulo Barbosa

AS CONSOANTES LATINAS: CLASSIFICAÇÃO

AS CONSOANTES latinas são divididas nas seguintes espécies:

1. Mudas, aquelas que não são pronunciadas, apesar de mantidas na escrita: b, c, d, f, g, k, p, q, t.

2. Líquidas, aquelas que causam sensação de fluidez: l, r.

3. Nasais, aquelas que em sua pronúncia o ar é expirado pela cavidade nasal: m, n.

4. Sibilante, aquela que possui sibilância, ruido em forma de assobio: s.

5. Duplas, aquelas que se decompõem em duas: x = cs; z = ds.


Das consoantes mudas umas são:

1) Guturais ou palatais, aquelas cujo som é emitdo pela garaganta com entonação rouca: g, k, q;

2) Labiais, aquelas articuladas com os lábios: p, b;

3) Dentais, aquelas articuladas com a lâmina da língua: t, d.

Paulo Barbosa


DITONGOS LATINOS

DITONGO é a união de duas vogais pronunciadas em uma única emissão de voz. Em latim há seis:

Ae - praemium;

Oe - poena;

Au - aurum;

Eu - que em latim só se encontra em ceu, heu, eheu, heus, neu, neuter, neutiquam, seu;

Ei - hei;

Ui - cui, hui, huic.


Observação: Yi é ditongo grego: Harpyia, assim como Eu, Eurus.

Paulo Barbosa

A ONOMÁSTICA ROMANA: TRIA NOMINA

Os Romanos livres recebiam seus nomes próprios no oitvado dia (meninas) e nono (meninos) consistindo estes em tres nomes. O dia da outorga era denominado dies lustricus, quando a criança era legitimada pelo seu pai numa cerimônia na qual era elevada do solo - o tollere filium - tomando-a aos braços em seguida, onde era purificada - lustrare - e se lhe impunha o tria nomina que são:

O praenomen (prenome), que era o nome próprio distinguindo-a dos demais membros da família, sempre abreviado.

O nomen gentilicum (nome gentílico), assim denominado por indicar a gens, a estirpe, donde descendia a família.

O cognomen (cognome) que distinguia entre si as famílias do mesmo tronco.

Assim:  M. (Marcus) Tullius Cicero

Algumas pessoas possuíam, entretanto, um agnomen, ou seja, um sobrenome, que tinha por finalidade indicar alguma particularidade que lhes eram próprias, por exemplo, por alguma gesta ou feitos memoráveis.

Assim:  P. (Publius) Cornelius Scipio Africanus

O Scipio (= báculo, bastão) é o cognomen herdado do avô  por haver servido de ajudante ao seu pai cego;

O Africanus é o agnomen alcançado por Públio por ter participado como general na II Guerra Púnica, derrotando Aníbal na famosa Batalha de Zama, em 10 de outubro de 202 a.C.

Paulo Barbosa

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A DIVISÃO SILÁBICA EM LATIM

SÍLABA é a letra ou um conjunto de letras pronunciadas em uma única emissão de voz. Em latim, a sílaba final de denomina aberta quando terminada em vogal: tu-a, me-a, ves-tra; e fechada quando terminada em consoante: mel-lis, pa-nis, ra-vis.

As sílabas são divididas de acordo com a pronúncia e, portanto:

1. A vogal ou o ditongo se separa da vogal ou da única consoante seguinte: De-us; cae-lum; fi-li-us.

2. As consoantes duplas se separam: il-le; sum-mus.

    Duas consoantes diferentes também se separam: pug-na; prop-ter; his-panus.

    Mas, se a primeira sílaba é muda (com as consoantes c, p, b, g, m, t) e a segunda é líquida (com l, r), ambas se juntam à vogal seguinte: tene-brae; pa-tris; locu-ples.

3. Nos grupos de três consoantes, a primeira e a segunda pertencem à primeira vogal, a terceira, à segunda vogal: sanc-tus; sump-si.

   Entretanto, se a segunda consoante é muda e a terceira líquida, se juntam com a vogal seguinte: mem-brum; as-trum.

Nas palavras compostas separam-se os elementos componentes quando permanecem sem nenhuma alteração ou ao menos com toda nitidez: ab-luo; de-scribo; in-spiro; per-spicio.

Paulo Barbosa




O 'H' NO LATIM CLÁSSICO

O H em latim clássico nunca foi consoante, mas sinal de aspiração da vogal a qual se antepunha, não sendo, portanto, articulado. Assim, quando duas vogais eram separadas por um 'h' sempre eram consideradas seguindo uma a outra imediatamente e, muitas vezes, até se contraindo em uma só: 

Nihil - Nil 

Prehendo - Prendo

No princípio das palavras podia o 'h' ser escrito ou não:

Harena ou arena = campo de ação, arena, lugar de espetáculo

Harundo ou arundo = cana, bambu, flauta

Hedera ou edera = erva, tipo de planta

Paulo Barbosa


SINAIS DE PONTUAÇÃO EM LATIM

POSITURAE, INTERPUNCTIO são os nomes latinos para os sinais de pontuação, aqueles recursos gráficos próprios da escrita que servem para estruturar um texto e estabelecer as pausas e entonações da fala.

O latim, porém, não possui sinais de pontuação exceto o ponto, que é tríplice: summum, medium e imum (o alto, o mediano e o ínfimo). Os demais sinais que hoje se encontram nos textos latinos são meramente pedagógicos ou auxiliares da leitura.

1. O summum ou ponto alto equivale ao nosso ponto final, que indica a pausa máxima da voz, usado para fechar um período de frases declarativas ou imperativas. Este sinal era chamado distinctio e dele declarou Élio Donato, famoso gramático do século IV, professor de São Jerônimo e Rufino: "Distinctio est, ubi finitur plena sententia; hujus punctum ad summam litteram ponimus" (É 'distinctio' por terminar uma sentença plena; colocamos esse ponto em cima da letra).

2. O medium ou ponto médio equivale ao nosso dois pontos, sinal que indica um prenúncio ou que se apoxima um enunciado. Em latim era o media distinctio.

3. O immum ou ponto baixo equivale a nossa vírgula, sinal que marca pausa e inflexões da voz numa leitura, enfatiza ou separa expressões e orações, esclarece significados de frases, afastando, assim, ambiguidades. Os latinos o demoninavam subdistinctio.

Paulo Barbosa

domingo, 7 de dezembro de 2014

A CONSOANTE 'C' NO PERÍODO CLÁSSICO

Segundo estudiosos versados em filologia, a consoante C, no período áureo da língua latina, era sempre pronunciada pelos romanos como K, com som gutural forte, mesmo antes de e e i. Assim, Cicero soava Kikero; cruce, cruke, etc.

Mais tarde, entretanto, o C antes de e, i, y, ae, oe, começou a pronunciar-se como S.

Uma particularidade latina do C era o grupo qu - QV -, considerado uma única consoante. Devido a isso, inquilinus soava incilinus; inquit, incit; e o quu se pronunciava cu: sequuntur, secuntur. Pronunciar secuuntur é barbarismo.

Paulo Barbosa

Os Analistas Quinto Fábio Pictor e Lúcio Cíncio Alimento


ANNALES é uma forma de registro histórico acerca de um povo ou uma instituição que assinala os fatos ano a ano de maneira concisa. Na Roma Antiga, o mais vetusto analista do qual se tem memória foi Quinto Fábio Pictor (nascido em 254 a.C.), pertencente à gens Fabia, senador e comandante da II Guerra Púnica (218-201 a.C). Seus Annales começavam com a chegada de Enéias na Itália, tratando de maneira bem sumária a idade antiga, enquanto as narrativas do fatos mais recentes, em particular da II Guerra Púnica, eram prolixas e volumosas, o que o torna uma fonte de bastante credibilidade de tais façanhas.

Outro analista de quem se tem memória certa é Lúcio Cíncio Alimento, também do século III a.C., pretor na Sicília em 209 a.C., e renomado jurista romano. Escreveu um tratado histórico, Annales, começando nas origens de Roma, 753 a.C., até a II Guerra Púnica, 218-201 a.C., um período de mais de quinhentos anos.

Ambos analistas escreveram em grego, pois o latim era ainda nesta época uma língua restrita, enquanto escrever em grego significava expandir-se a todo o mundo civil de então.

Paulo Barbosa

domingo, 9 de novembro de 2014

AS MUSAS

AS MUSAS na mitologia grega eram filhas de Mnemosine, a deusa da memória. Em Pieria, uma região a leste do Olimpo, e no monte Helicon, eram elas cultuadas, tendo aí suas sedes originárias e, por isso, seus epítetos eram Piérias e Helicônias.

Nove eram as musas, cada qual sendo protetora de uma diferente arte:

1. Calíope inspirava a poesia épica, tais como a Ilíada e Odisséia.

2. Clio dirigia as Histórias.

3. Euterpe conduzia a música para flauta.

4. Melpomene iluminava a produção da tragédia.

5. Terpsicore motivava a dança.

6. Erato orientava a música para lira.

7. Polímnia sugeria os cantos sacros.

8. Urania guiava a astronomia.

9. Talia ditava a comédia.

Paulo Barbosa

sábado, 8 de novembro de 2014

'CANDIDUS E ALBUS', ADJETIVOS DIFERENTES PARA DESIGNAR A COR BRANCA

A cor branca é aquela que reflete todos os raios luminosos não absorvendo nenhum em si mesma o que a faz aparecer com a máxima clareza.

O romanos, entretanto, diferenciavam duas tonalidades de branco usando para tal dois adjetivos diversos, candidus e albus.

CANDIDUS denota o branco resplandeceste e se opõe a niger, negro, escuro, sombrio. Exemplos: Lux candida = luz resplandescente; Candida luna = lua muito brilhante. Aliás, é deste adjetivo que provém candidatus, aquele que ao pleitear algum cargo público na Roma Antiga se vestia com uma túnica branca.

ALBUS designa o branco pálido opondo-se a ater, preto como o carvão, escuro. Geralmente é usado para adjetivar coisas naturais. Exemplos: album lac = leite branco; album aes = um tipo de metal com certa liga de chumbo. Deste adjetivo provém a palavra albinismo, um distúrbio congênito que torna a pele de quem o porta esbranquiçada.

Paulo Barbosa

AS CAMENAS ROMANAS

AS CAMENAS - CAMENAE - eram na antiga religião italiana ninfas das águas que possuíam o dom da profecia. Junto à porta Capena, em Roma, possuíam uma fonte sagrada que a elas foi dedicada pelo segundo rei romano, Numa Pompílio (753-673 a.C.). Era nesta fonte que as Vestais tiravam a água para seus rituais.

Lívio Andrônico (século III a.C.), identificou as Camenas com as Musas gregas.

Paulo Barbosa

'FARI', UM VERBO RARO E POÉTICO

FARI "FALAR" é um verbo latino defectivo raro e usado a maior parte das vezes na poesia. As formas mais empregadas são as seguintes:

1. Infinitivo presente: Fari (Horácio, Ode 4,6,18) e Farier (Vergílio, Eneida 11,242) = Falar

2. Indicativo presente: Fatur (Lucrécio 3, 464) = Ele fala

3. Futuro imperfeito: Fabor (Vergílio, Eneida 1,261) = Eu falarei

4. Presente do imperativo: Fare (Vergílio, Eneida 6,389) = Fala

5. Particípio presente: Fanti (Vergílio, Eneida 1,261) e Fantem (Propércio 3,5,19) = Para o que fala e o que fala.

Note que Fanti e Fantem estão declinados, o primeiro no dativo, o segundo no acusativo singular. O nominativo é Fans = o que  fala, o falante.

É do acusativo Fantem que é formada a palavra portuguesa Infante para designar a criança que ainda não fala. O vocábulo é formado pela partícula negativa 'in' mais 'fantem'. Lembre-se que o acusativo é o caso lexicogênico para a língua portuguesa, ou seja, é o caso que forneceu a maioria das palavras portuguesas.

Paulo Barbosa

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

'TÓPICOS DE LATINIDADE' NO PORTAL MUNDUS LATINE



É com muito prazer que recebemos a notícia de que nosso blog TÓPICOS DE LATINIDADE está figurando no MUNDO LATINE, um portal que reúne os melhores materiais sobre a língua e cultura latina, como pode ser visto na descrição mesma da página:

http://munduslatine.weebly.com/


BEM-VINDO(A)! BENE VENISTI!


MUNDUS LATINE (o "Mundo em Latim") foi criado e arquitetado dentro do projeto de REUNIR e PRODUZIR materiais de mais alta qualidade sobre a língua latina para o público de língua portuguesa. O projeto é portanto o de cobrir um déficit de material on-line disponível para o estudioso brasileiro no aprendizado dessa língua. Para isso, buscaremos concentrar o que conhecemos de melhor na internet e nos livros sobre o tema LATIM.

Além disso, produziremos nós mesmos, de uma maneira inovativa e autêntica,
 e com a ajuda de uma equipe profissional nessa língua, novos materiais, que acreditamos complementar e suprir os já existentes, preenchendo assim lacunas e superando obstáculos que se apresentam aos estudiosos de latim.

O material que oferecemos busca portanto abranger o maior número possível de tópicos: material didático, como gramática, latim conversacional, vocabulário temático e história da língua; amostras de literatura clássica, medieval e eclesiástica, junto com uma lista temática de provérbios; mídias como músicas, vídeos e filmes; humor, com memes e imagens atuais da internet e das redes sociais; além de uma seção com links e encaminhamentos para outros sites, blogs e páginas no Facebook. O material será atualizado semanalmente, portanto esteja sempre nos acompanhando!

Esperamos que aproveitem e aprendam bastante com o MUNDUS LATINE, produzido e trabalhado com muito afeto pela língua e pelos estudantes dela, na esperança de reviver essa língua já considerada por muitos morta!

Divirtam-se! Delectamini!



Aqui http://munduslatine.weebly.com/links.html , na seção Blogs se encontra o TÓPICOS DE LATINIDADE, um espaço de cultura e língua latina, produzido com seriedade e pedagogia acessível e clara. É, portanto, com muita satisfação, pelo reconhecimento de nosso trabalho, que recebemos a notícia da inserção neste portal.


Miracema, 07 de novembro de 2014

Paulo Barbosa

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

ORAÇÕES SUBSTANTIVAS JUSTAPOSTAS

ORAÇÕES SUBSTANTIVAS JUSTAPOSTAS com o verbo no subjuntivo são aquelas que completam o sentido de um verbo ou do verbo da oração principal. Veremos aqui alguns exemplos com verbos que expressa volição (desejo), verbos de valor jussivo (que exprime ordem) e proibitivo.

1. Volo Laetitiam exhibeas = desejo que faça vir Letícia. A oração "Laetitiam exhibeas" é substantiva, pois completa o sentido da oração principal "volo"; tem o verbo no subjuntivo, "exhibeas"; e é justaposta à principal, ou seja, é ligada à principal sem nenhum conectivo. Note que no português não se dá a justaposição, mas a subordinada é introduzida pela conjunção 'que'. O verbo é volitivo, expressa desejo.

2. Jube in Miracemam veniat = ordena que venha à Miracema. "In Miracemam veniat" é oração substantiva, pois faz as vezes de um substantivo completando um verbo; seu verbo está no modo subjuntivo, "veniat"; a oração principal, "jube", tem o verbo no modo imperativo; o valor do verbo é jussivo, ou seja, expressa ordem, mando.

3. Nolo ames = não quero que ames. "Nolo" é a oração principal, o verbo possui valor proibitivo; "ames" é a oração substantiva; o verbo se encontra no modo subjuntivo.

Paulo Barbosa

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

FRATRES ARVALES

Havia na Roma Antiga um colégio de doze sacerdotes conhecido como Fratres Arvales, Irmãos Arvais, que tinha por incumbência zelar pela observância da Amabarvalia, festividade anual que consistia em uma purificação solene dos campos efetuada pelos próprios lavradores com intuito de agradar aos deuses da agricultura.

Deste colégio conservou-se o texto de um Hino Arval - Carmen Arvale, um dos fragmentos mais antigos da literatura latina, composto entre os séculos  V ou IV a.C., de difícil compreensão, onde há invocação dos Lares e de Marte. - Os Lares eram os numina, ou seja, os espíritos cultuados nas encruzilhadas (Lares Compitales) ou incumbidos de proteger as casas e seus moradores (Lares Familiares) e Marte era, na antiga religião romana, o espírito da vegetação, o deus da agricultura, a quem os lavradores dirigiam os ritos de purificação dos campos na Ambarvalia. - Após ter sido extinto, foi restabelecido tal culto por ordem do Imperador Augusto.

O ritual arval era realizado a 8 km de Roma, num bosque existente ao logo da Via Campania, onde invocavam também a Dea Dia, uma deusa da terra e, em ocasiões solenes, ofereciam sacrifícios em favor da casa imperial.

A tradução do carme é a seguinte:

Ajudai-nos, Lares! Marmar, não deixeis a praga ou a ruína atacar o povo! Fica inteiramente satisfeito, feroz Marte, Salta a Soleira! Bate o chão, ó bravo! Por graça, visita a todos os deuses da semeadura! Ajudai-nos, Marmor! Triunfo! Triunfo! Triunfo! Triunfo! Triunfo!

Paulo Barbosa

terça-feira, 4 de novembro de 2014

DICIONÁRIOS LATINOS, QUAIS OS MELHORES?

Muitos me perguntam qual o melhor dicionário de latim e sempre respondo dentro do nosso circuito brasileiro ser o 

Dicionário Latino-Português do Saraiva,

seguido pelo

Dicionário Latim Português do Torrinha e o de Ernesto Faria.

Agora, os maiores e melhores dicionários da língua latina mundialmente reconhecidos são os seguintes:

1. Thesaurus Linguae Latinae, de Robert Estiene (Stephanus), o melhor dicionário produzido na Renascença, em 1532.

2. Dicionário Latim-Inglês, de Ainsworth, saído à lume em 1736.

3. Dicionário Latino, de Gesner, na verdade uma nova edição do Stephanus, mas renovado, de 1749.

4. Dicionário Latim-Italiano, de Forcelline, de 1771, que foi traduzido para o inglês em 1828 por Bailey.

5. Dicionário Latim-Alemão, de Scheller, saído em 1783-4 e traduzido para o inglês em 1835 por Riddle.

6. Dicionário Latim-Alemão, de Freund, traduzido para o inglês em 1852 por Andrews, revisto em inglês por White e Riddle, em 1852, e novamente revisto por Lewis e Short em 1879.

7. Dicionário Latim-Inglês, de Smith, 1855, que tomou por base os de Forcellini e Freund.

8, Thesaurus Linguae Latinae, é o maior dicionário de língua latina da atualidade, conhecido pela siga ThLL ou TLL, teve seu início no século XIX, mais precisamente em 1894, a cargo de vinte latinistas e mais outros especialistas de cinco universidades alemãs, e só será terminado em 2050. Abrange todos os vocábulos latinos desde o aparecimento do primeiro documento passando por toda a produção dos escritores clássicos seguindo Idade Média adentro até o ano 600 d.C. (Segue o link do Dicionário: http://www.thesaurus.badw-muenchen.de/).

Paulo Barbosa

A CAÇA A ANIMAIS FEROZES EM ROMA

A caça - venatio - a animais ferozes em Roma era um verdadeiro espetáculo público. A primeira menção a esta se encontra no ano 186 a.C. e com mais frequência durante todo o século I a.C. como parte de diversos jogos públicos. Em 99 a.C. houve a primeira exibição de elefantes capturados e em 93 Sula exibiu 100 leões.

As venationes - caças - foram mostradas por Pompeu, general romano, durante 5 dias, ocasião em que apareceram 500 leões e 18 elefantes. 

Muitos e divergentes eram os sentimentos entorno a esse espetáculo, alguns de compaixão pelo destino dos animais, enquanto outros de alegria. O próprio Cícero expressou repugnância em uma de suas cartas.

Ao chegar a época Imperial os expectadores romanos tornaram-se mais sedentos de sangue e cruéis, o que mais intensificou este tipo de espetáculo seguido de matanças no Circo. Durante o reinado de Augusto, por exemplo, foram mortos 3.500 elefantes, e 5000 animais selvagens e 4000 animais domesticados na inauguração do Coliseu. Os homens que lutavam com esses animais eram criminosos condenados ou prisioneiros de guerra ou mesmo contratado para esse fim.

Paulo Barbosa

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

"CENA TRIMALCHIONIS', UM ENREDO NECESSÁRIO AO LATINISTA

TRIMÁLQUIO (ou Trimalquião) era um novo-rico romano, muito sorridente, simples, bonachão e vulgar, que decide oferecer um banquete convidando vários aventureiros. O festim foi de uma ostentação opulenta, de mostras de riqueza imensa, com a decoração da casa indicando o poderio financeiro do anfitrião assim como a profusão de iguarias mais diversas ofertadas aos convivas. Todo esse luxo, porém, contrastava com os vários incidentes burlescos ocorridos durante a festa, com a conduta nada exemplar de Trimálquio, que ia se embebedando e escandalizando, com sua noção falseada de mitologia, supondo, por exemplo, que Aníbal estivesse presente à Guerra de Tróia, que Dáidalos tivesse retido Niobe no Cavalo de Tróia e que Cassandra matou os próprios filhos. Enquanto o banquete seguia, duas estórias foram narradas, uma de um lobisomem e outra sobre umas feiticeiras que transformaram um menino em um boneco de palha. E tudo isso contado pelo dono do banquete com muita vivacidade e graça contagiante.

Pois bem, essa historieta encantadora é narrada por Petrônio, que fora cônsul e governador da Bitínia, morto em 65 d.C., na sua obra 'Satiricon', escrita em prosa intercalada com versos onde descreve várias aventuras indecorosas, tais como a de dois trapaceiros - Encôlpio e Ascilto -, assim como estórias da famosa Matrona de Éfeso. O episódio mais destacado, entretanto, é o Banquete de Trimálquio - Cena Trimalchionis.

O interesse do estudioso da cultura e língua latinas nesta obra, mormente no festim, é que aí são oferecidos uma verdadeira descrição da vida italiana na época de Nero, que reinou até 68 d.C., como também reprodução das conversas e das gírias comuns de alguns dos convidados com suas maneiras reais de falar das classes mais baixas, fornecendo, assim, bom material para o estudo do latim vulgar. Por exemplo, para se dizer 'há séculos', usavam 'olim oliorum', numa verdadeira transgressão dos cânones gramaticais.

Paulo Barbosa

JÚLIO CÉSAR, O CRIADOR DO PARTICÍPIO PRESENTE DE 'ESSE'

O verbo 'esse, ser' nunca possuiu no latim clássico particípio presente como os demais, por exemplo, 'amare', que tem 'amans', porém, Júlio César (100-44 a.C.), Imperador Romano e ilustre conquistador das Gálias, sentindo necessidade de traduzir o particípio presente grego 'on' (do verbo 'einai'), inventou 'ens' como particípio do verbo 'esse', como relata Prisciano, famoso gramático em Constantinopla na época do Imperador Anastásios, no século V.

O primeiro registro do uso deste particípio, entretanto, é encontrado em Mário Vitorino, um pai da Igreja do século IV, indicando 'ens', no gênero neutro, como tradução do 'on' grego, compreendido, porém, no sentido estóico, ou seja, como um gênero principal acima de todas as coisas.

Com Boécio, e a partir dele, no século VI d.C., tal particípio passou a ter uso abundante na filosofia, designando tudo aquilo que existe, tudo o que possui o ser.

Paulo Barbosa

domingo, 2 de novembro de 2014

NÉVIO, UM POETA ARCAICO

GAIO NÉVIO foi um poeta romano do período arcaico, nascido mais ou menos em 270 e morto em 199 a.C.. Era plebeu, autor de tragédias, comédias e um poema épico. Sempre se levantando contra a aristocracia, criticava-a em seus versos, o que lhe rendeu uma prisão, conseguindo ser liberto graças à intervenção de alguns amigos tribunos. 

Numa de suas produções, Névio, usando de ambiguidade, critica uma família nobre, a dos Metelos, com o seguinte verso:


"Fato Metelli Romae, fiunt consules"

"É o destino de Roma que os Metelos sejam eleitos cônsules"

ao que Metelo, cônsul em 206, replicou também com um verso ambíguo:


"Dabunt malum Metelli Naevio poetae"

"Os Metellos darão o castigo ao poeta Névio"

o que realmente aconteceu com a sua prisão e, em seguida, por volta de 204, com a expulsão de Roma para Útica, onde faleceu.

Conta-se que o próprio confeccionou o epitáfio que deveria figurar em sua tumba com os seguintes dizeres:

"Imortalis mortalis si foret fas fieri,

flerent divae Camenae Naeviom poetam:

itaque postquam est Orci traditus thesauro

oblitei sunt Romai loquier lingua latina",


"Se fosse permitido os imortais se fariam mortais,

chorem as divinas musas o poeta Névio:

pois depois de entregue o tesouro ao Orco

Os romanos se esquecerão de falar a língua latina"


Paulo Barbosa



sexta-feira, 24 de outubro de 2014

ABLATIVO TEMPORAL

O ablativo de tempo é aquele que de maneira precisa indica o momento em que uma ação se realiza designando, portanto, uma data ou um período de tempo. Este ablativo geralmente vem só, sem nenhuma preposição que o acompanhe. Vejamos:

Pauli amore grandem sane fuisse = ter sido bastante grande no amor de Paulo. - Em que tempo alguém foi bastante grande? No tempo em que Paulo o amava.

Eodem tempore duas feminas Paulus amavit = na mesma ocasião Paulo amou duas mulheres.

Prima luce surgo = levanto logo ao amanhecer.

Eadem nocte accidit ut esset luna plena = aconteceu que naquela mesma noite fosse lua cheia.


Quando, todavia, este ablativo indica o tempo dentro do qual uma ocorrência se deu, vem frequentemente acompanhado da preposição in:

Bis in die = duas vezes no dia.

Ut in diebus proximis decem vita mea decederent = que dentro dos próximos dez dias deixassem a minha vida.

Paulo Barbosa

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O 'CORPUS ERNESTIANO', PRECIOSIDADE PARA O LATINISTA

ERNESTO FARIA, de quem já tratamos neste espaço (aqui: http://topicosdelatinidade.blogspot.com.br/2011/11/ernesto-faria-eximio-humanista-e.html) e de quem nunca é demais falar por ter sido um eminente latinista brasileiro e suas obras serem as mais categorizadas e científicas dentre tantas existentes e usadas nas nossas faculdades de letras latinas assim como no exterior, foi, mediante concurso, professor catedrático de Língua e Literatura Latina da então Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Vejamos aqui algumas das produções de maior vulto do digno e eminente Professor que muito escreveu nos legando um acervo preciosíssimo e obrigatório para todo estudioso de humanidades clássicas.

Em 1933, concorrendo à cátedra do Colégio Pedro II, produziu Ernesto Faria sua primeira obra, uma excelente tese, A Pronúncia do Latim. Por nesta época não existir no Brasil cursos superiores de letras (aliás, o primeiro curso de letras começou neste ano, de 1933, ofertado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, que mais tarde se tornaria a Pontifícia Universidade Católica, PUC-SP), tal tese não foi bem aceita por muitos especialistas que a desabonaram assim como a seu autor. Isso dificultou bastante o acesso de Ernesto até à cátedra, haja vista que não era um polemista, mas mais dedicado às leituras e pesquisas.

Apesar das incompreensões por que passou, continuou o exímio mestre a lutar para, após a criação no Brasil das cadeiras de Língua Latina nas Faculdades de Filosofia, extirpar a estagnação em que se encontrava o ensino do latim, e para tal trouxe para os estudos clássicos as contribuições e ensinamentos de um Niedermann, de um Ernout, um Marouzeau, grandes latinistas e humanistas europeus que já tinham suas doutrinas compendiadas.

Em 1934 sai a lume um pequeno livrinho no qual traçava a sua nova orientação, a Síntese de Gramática Latina, onde, logo no início deixou bem claro que fora "redigida para servir ao ensino moderno do Latim".

Em 1938 surge do prelo como antecessor da Fonética Histórica do Latim o Manual de Pronúncia do Latim, exposição e defesa teórico-prática da pronúncia clássica, científica, contra, portanto, as pronúncias tradicional e romana, que eram as propagadas em muitos cursos e até hoje o é em centros acadêmicos, tal como a Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro.

A mesma editora, Briguiet, em 1940, deu a lume uma série didática excelente, O Latim pelos Textos, onde há trechos latinos escolhidos dentre as mais abalizadas edições e de acordo com as exigências dos programas didáticos então em vigor. As anotações eram com base nas lições dos grandes mestres europeus, mas sempre obedecendo o nível das séries a que se destinavam. 

Em 1941 o excelente volume O Latim e a Cultura Contemporânea saiu a lume, onde se debatia a questão do Latim e as modernas diretrizes do ensino da língua latina. Foi dedicado a Marouzeau e destinado aos alunos das Faculdades de Filosofia de todo o Brasil, que então já eram numerosas.

1943 foi o ano em que no setor da lexicografia latina veio a lume o Vocabulário Latino-Português por família de palavras, uma verdadeira novidade nos meios acadêmicos da época.

Em 1945 aparece o Curso de Latim, uma gramática de textos e exercícios, pelo Companhia Editora Nacional, um prenúncio da futura e exitosa Gramática Superior da Língua Latina.

A Fonética Histórica do Latim viu a luz em 1955 (1.ª edição) e 1957 (2,ª edição), sendo uma obra de maturidade que completa em muitos pontos, e até atualiza, o clássico manual de Max Niedermann, Précis de Phonétique Historique Du Latin

Ainda em 1955 Ernesto publica o Dicionário Latino-Português, editado pelo Ministério da Educação e Cultura, sendo o melhor que há para o nível médio até nossos dias.

Em 1958 é editada a excelente e completa Gramática Superior da Língua Latina, obra de vulto e obrigatória para todos os cursos superiores de letras no Brasil e até no exterior e todas as bibliotecas latinas que se prezem, sendo um denso volume de mais de 500 páginas.

Em 1959 refunde e atualiza O Latim e a Cultura Contemporânea, mas agora com um outro título, Introdução à Didática do Latim.

Ernesto Faria foi sim um admirável e admirado mestre da cultura clássica, das humanidades e suas obras passaram a ter relevos e contornos definitivos sendo usadas nos cursos superiores de línguas como vade-mecums obrigatórios.

Paulo Barbosa

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O 'MAKTUB' EM LATIM

'Maktub' ou 'Inch Allah' (إن شاء الله) são duas expressões árabes que denotam fatalidade, que significam serem os acontecimentos determinados de maneira a que nada poderá ser feito, pois assim é do agrado dos deuses, assim está escrito no livro do destino.

Em latim tais expressões equivaleriam ao 'Ita diis placuit', 'assim aprouve aos deuses, assim devia acontecer'.

Entretanto, bem na contramão das expressões, diz-nos Romain Rolland em sua obra Au dessus de la mêlée:

"A fatalidade é aquilo que quisermos"

Paulo Barbosa

terça-feira, 21 de outubro de 2014

ACUSATIVO DE MOVIMENTO

O acusativo de movimento é aquele que indica o termo ou o fim para o qual tende um processo, um movimento. Este é um dos mais antigos usos deste caso que vem geralmente precedido de uma preposição. Entretanto, ainda em alguns casos se conserva antigo vestígio de algumas construções que dispensam as preposições, quando, por exemplo, se trata do nome de cidades ou ilhas pequenas e com alguns substantivos, como domus e rus. Esta construção acusativa sempre é um adjunto adverbial de lugar para onde. Vejamos alguns exemplos:

Eo ad civitatem = vou para a cidade. 

Ut veni ad plateam = quando cheguei à praça.


Paradisum Miracemae venimus = Viemos de Paraíso para Miracema. Aqui e no seguinte sem preposição por serem Paraíso do Tobias e Miracema um pequeno povoado.

Transit Miracemam exercitus = o exército passou a Miracema.


Pauli domum venisse dicitur = diz-se ter vindo à casa de Paulo.

Rus amici nostri eunt = nossos amigos irão para o campo.

Paulo Barbosa

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

PREDICADO, O QUE É E ESPÉCIES

O predicado é tudo aquilo que se afirma acerca do sujeito sendo o elemento essencial de uma oração, podendo ser verbal ou nominal, o primeiro quando o seu núcleo é constituído por um verbo e o segundo, por um nome. 

Census nostros requiris = reclamas nossos sensos, é um predicado verbal, onde o núcleo é constituído pelo verbo 'requiris'. O sujeito, tu,  está implícito na conjugação.

Praeclara res est = o assunto é notável, onde praeclara est é um predicado nominal, o verbo exercendo aí apenas a função copulativa, de ligação, entre o predicativo e o sujeito.


A constituição do predicado pode ser simples ou precisa. Se tem um predicado simples quando nele se contém apenas o verbo, como em: 

Ego et Laetitia valemus = Letícia e eu estamos bem.

Quando o verbo reclama após si um substantivo para lhe completar o sentido, este se chama objeto ou complemento verbal. Se chama objeto por ser o objeto da ação, ou seja, o seu fim, onde a ação termina. Assim:

Audentes fortuna juvat = a sorte ajuda os audazes. 'Audentes, os audazes' é o objeto ou complemento do verbo 'juvat, ajuda'. Na língua portuguesa esse objeto se qualifica como direto, ou seja, ele se junta ao verbo sem intermédio de preposição. Está no caso acusativo plural.

Animo imperabit sapiens = o sábio governará a seu espírito. 'Animo, ao espírito' é objeto ou complemento verbal de 'imperabit, governará'. Na língua portuguesa este objeto é qualificado como indireto por requisitar preposição para ligá-lo ao verbo. Está no caso dativo singular.


A constituição precisa do predicado se dá quando é determinado com maior clareza ou precisão por advérbios ou adjuntos adverbiais acrescentando-lhe circunstâncias especiais à ação expressa pelo verbo. Vejamos:

Nunc quidem deleta est = agora realmente está destruída. O 'nunc' é um advérbio que esclarece o verbo, que lhe traz precisão, mostrando que a destruição é agora, no momento atual. 

Frumenta ex agris in oppida comportant = transportam o trigo dos campos para as cidades. Tanto 'ex agris' quanto 'in oppida' são adjuntos adverbiais que acrescem ao verbo circunstâncias, detalhamentos, particularidades. Mostram de onde vêm, 'ex agris', e para onde se encaminham, 'in oppida'.

Paulo Barbosa


SIGNIFICADO DA MÁXIMA 'ERRAR É HUMANO'

ERRARE HUMANUM EST é uma máxima latina sempre traduzida por 'errar é humano", onde o verbo significa 'enganar-se, equivocar-se". O que poucos sabem, porém, é que tanto em latim quanto em português ERRARE, ERRAR tem o bom sentido de 'andar, vaguear, passear de um lado para outro'. Todo progresso teve por fundamento os erros (= as andanças) das novas gerações, corrigindo os erros das gerações passadas.

O primeiro sentido de 'errar', portanto, é o de ir depressa, de ir direto a um dado destino, é o de viajar, de se deslocar de um ponto a outro. Neste sentido 'errar' sempre foi uma virtude humana, uma proeza, uma aventura, pelo menos até o século XII. Em francês, por exemplo, 'faire bonne erre' significava 'ir depressa' e 'de grant erre' queria dizer 'pronto para a corrida'. 

Foi nesta acepção primeira que os romanos forjaram a máxima, já que 'errar é humano' enquanto é próprio do homem caminhar, se dirigir depressa em busca de qualquer conhecimento, se aventurar em busca do progresso.

Paulo Barbosa

SERIA 'LUSITÂNIA' PROVENIENTE DE 'LUSO'?

LUSITÂNIA foi o nome que desde a Antiguidade recebeu Portugal.  Camões, nos Lusíadas (III,21) faz esta palavra derivar de Luso ou Lisa:

"Esta foi Lusitânia, derivada

De Luso ou Lisa, que de Baco antigo

Filhos foram, parece, ou companheiros"

O poeta, entretanto, se mostra indeciso se foram filhos ou companheiros de Baco. Epifânio Dias, a maior autoridade em Camões do século XX, ao comentar estes versos, diz-nos que sua fonte foi Plínio que na Naturalis Historia (III,8), num trecho obscuro, assim exarou:

"Lusum enim Liberi patris ac Lysam cum eo bacchantem nomen dedisse Lusitaniae"

"Diz-nos Luso, filho de Baco, e Lisa, bacante, ter dado juntamente com ele o nome à Lusitânia"

No Índice da obra de Plínio aparecem ambos, Luso e Lisa, como Comes Bacchi (companheiros de Baco), donde a prudência de Camões se 'foram filhos ou campanheiros'. Observa também Epifânio que a melhor derivação seria de Luso, pois de Lisa viria a ser Lisitânia.

Em VIII,2, porém, Camões é mais decisivo ao declarar que:

"Este que vês é Luso, donde a fama

O nosso reino Lusitânia chama.

Foi filho e companheiro do Tebano

Que tão diversas partes conquistou"

O Tebano é o mesmo Baco, pois, como narra a mitologia, nasceu em Tebas. E aqui vê-se que o poeta não usa mais a alternativa 'filho ou companheiro', mas 'filho e companheiro', nem fala mais em Lisa.

O que deve ter havido aqui, no intervalo entre um Canto e outro, segundo Epifânio Dias, é que Camões provavelmente tomara contato com a obra do humanista português André de Resende, o Vicentius, que transcrevera o citado texto de Plínio:

"Quorum verborum hic est sensus, Lusum Liberi patris filium non

autem socium, ut quidam contra loquendi usum interpretantur, una

cum Lysa, nimirum Liberi socio, nomen Lusitaniae nostrae dedisse"


"Luso, filho de Baco, e não companheiro como alguns interpretam erradamente,

juntamente com Lisa, realmente companheiro de Baco,

terem dado o nome à Lusitânia"

Esta opção camoniana de 'filho e companheiro' irá ser reiterada na estrofe 4 do mesmo Canto:


"O ramo que lhe vês pera divisa,

O verde tirso foi de Baco usado,

O qual à nossa idade amostra e avisa

Que foi seu companheiro e filho amado"


O tirso era uma vara ou bastão todo forrado de eras e de folhas de uvas, insígnia do deus Baco.

A questão que se coloca agora é a seguinte: como explicar que a terra lusitana perpetue o nome de Baco por meio de um seu filho, sendo Baco um deus que era perseguidor dos lusitanos? A divindade favorável aos lusitanos, como se sabe pela mitologia, era Vênus, a deusa do puro amor. Baco, porém, representava o amor obsceno, imoral, deturpado, o amor de luxúria, e por isso mesmo, devia ser considerado o inimigo natural de Vênus. Mesmo em Roma esse deus com seu culto não era bem visto e as bacanais, orgias em seu louvor, pelo caráter tipicamente imoral, foram proibidas por um decreto do Senado Romano.

Foi devido a isso que muitos estudiosos de Etimologia negaram a ligação entre Lusitânia e Luso, como, por exemplo, Leite de Vasconcelos, linguista e filólogo português do século XX, que em sua Religiões da Lusitânia assevera: "Entre as diversas hipóteses, a que parece mais aceitável é a que busca a etimologia de Lusitani em Lusones, nome de uma tribo celtibérica, como já lembrava Herculano, segundo Romey".
obra

Paulo Barbosa

sábado, 18 de outubro de 2014

LATIM MEDIEVAL E MODERNO


Durante toda a Idade Média (séculos V a XV) fora o latim a língua sábia usada por todos os eruditos. Meillet em sua obra magistral, Les Langues dans l'Europe Nouvelle, diz que quando da fundação das Universidades europeias o latim era em toda parte sua única língua. Todos os sábios, da Espanha à Polônia, da Escócia e Suécia à Sicília, possuíam essa única língua. Professores e alunos mudavam de uma Universidade à outra sem que experimentassem qualquer barreira linguística, pois havia a unidade de código e em toda parte liam-se e estudavam-se os mesmos escritos, discutiam-se o mesmo conjunto de teses fundamentais e orgânicas. E esse sistema durou até à época moderna.

Dante, o grande político e poeta italiano do século XIV, quando escrevia para o povão, para o grande público, usava a língua italiana, mas quando se dirigia ao corpus de letrados compunha em latim. A poesia e a épica, tanto a cortesã quanto a popular, eram vazadas também em língua vulgar, em italiano, e os primeiros textos em prosa a abstrair do latim foram narrativas de guerreiros, homens rudes e prosaicos, daquilo que fizeram e viram durante as peripécias bélicas, tais como os de Joinville e Villehardouin. Os eruditos, porém, continuavam a exarar e a ler na língua romana.

No século XVI todo o ensino universitário era transmitido através do latim, a língua dos cultos, dos clerici (clérigos) e dos litterati (letrados). Apesar disso, alguns homens à frente de seu tempo começaram a advogar a necessidade de se colocar na ordem do dia o vernáculo, a língua de cada nação ou povo.

No século XVII continua o latim a língua da ciência e da filosofia, o modo de expressão normal das ideias e conceitos. Descartes, entretanto, de maneira acessória, sim, produziu algumas de suas obras em francês.

Foi no século XVIII, todavia, que o latim deixou de ser a língua sapiencial, usada pelos sábios e filósofos, e isto se deve sobretudo à decadência das Universidades que se deu nesta época, onde o latim era a língua habitual na ministração das lições. 

A vitalidade desse latim pós medieval foi constatada também por Ernst Robert Curtius em sua obra de fôlego Literatura Europeia e Idade Média Latina, onde diz que durante muitos séculos permaneceu o latim como língua viva do ensino, da ciência, da administração, da justiça e da diplomacia. Acrescenta ainda o autor que só no século XVI, mais precisamente em 1539, foi o latim abolido na França como a língua dos tribunais por ordem de Francisco I. Entretanto, como língua literária, sobreviveu muito tempo ainda após o desaparecimento da Idade Média, tais como na pena de Dante, de Petrarca e Bocácio. Em seguida, o movimento chamado Humanismo, dentro do Renascimento, dá novo e poderoso impulso ao gosto pelo latim.

Enfim, essa duplicidade linguística, o latim e a língua vernácula, se deu devido, como já vimos acima, o povo não compreender mais a língua romana. Curtius diz que o homem comum sabia da existência das duas línguas, a vernácula popular e a dos letrados (clerici e litterati). Essa falta de entendimento do latim por parte do povo começou no século VIII, quando ainda se compreendia o que o padre rezava na missa. 

Paulo Barbosa


terça-feira, 2 de setembro de 2014

O PLURAL NÃO ESPECÍFICO

Em gramática, número é a categoria que permite determinar a quantidade de entes ou coisas existentes. Se  há um único ente se diz singular, se mais de um, plural.

No latim primitivo, entretanto, além do singular e do plural, havia o dual, uma flexão gramatical numérica que indicava o conjunto de duas coisas ou entes. Sempre que se estava diante de dois objetos o uso deste era de rigor. 

Nem sempre, porém, o plural representa a noção de um singular repetido tal como mesas, cadeiras, sapatos, etc. Há o que se denomina:

PLURAL NÃO ESPECÍFICO

que é o plural dos nomes próprios aplicado aos membros de uma mesma família, ou

aplicado a pessoas que reúnam em si qualidades comuns que as distingam de outras.


Da primeira espécie, podemos dar como exemplo a seguinte resposta da família dos Metelos ao poeta Névio:

"Dabut malum Metelli Naevio poetae" = "Os Metelos castigarão o poeta Névio".

'Metelli' é aqui plural de vários seres da família Metela.


Do segundo tipo de plural não específico pode ser o célebre verso do poeta Marcial:

"Sint Maecenates, non deerunt, Flacce, Marones" = "Haja os Mecenas e não faltarão, ó Flaco, os Vergílios".

'Maecenates', 'Marones', plurais aplicados a quem reúna em si as qualidades de Mecenas e de Vergílio.


Outras vezes se usa o plural para designar a complexidade de um objeto. Assim, 

'fores' = porta.

'tenebrae' = trevas

'exuviae' = despojos tomados do inimigo

Paulo Barbosa

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

AS DUAS ESPÉCIES DE LEIS ROMANAS

No Direito Romano Republicano, ou seja, aquele que vigorou a partir da instituição da República, de 509 a 27 a.C., as fontes do Direito eram quatro, a saber, as leis, os editos dos Magistrados, os senatus-consultos e o costume

As Leis eram de duas espécies ou se apresentavam em duas formas: Lex rogatae e Lex data.

Lex rogatae era aquela que era pedida ou votada na assembléia. Nascia, portanto, mediante cooperação do magistrado com o povo, provinda de uma proposta daquele e a consequente aceitação deste.

Para que uma lex rogatae fosse válida, três eram as condições:

1. A proclamação feita pelo magistrado.

2. A votação na assembléia, ou seja, a rogatio, onde não se permitia emendas.

3. A publicação do texto legal, ou o levar ao conhecimento do povo.


A Lex data, pelo contrário, não era criada em cooperação do magistrado com o povo, mas aquele baixava fundamentando-a somente na sua autoridade. O nome mesmo diz, data = dada, imposta. Este tipo de lei tinha por função organizar as províncias, reformar uma administração provincial, outorgar estatutos de Cidades na Itália ou no exterior, etc.

Paulo Barbosa

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

INTERROGAÇÃO DISJUNTIVA OU DUPLA LATINA

A interrogação disjuntiva latina é aquela que indaga qual dos membros da oração, que são excludentes mutuamente, deve ser afirmado ou negado. 

O primeiro membro pode vir sem nenhuma partícula interrogativa, mas pode também figurar a partícula interrogativa utrum anteposto ou o sufixo -ne posposto. Assim:

Panem fertis an crustum? = trazes pão ou pastel?

Utrum panem fertis an crustum? = porventura trazes pão ou pastel?


Panemne fertis an crustum?


Veja que o segundo membro é ligado pela conjunção alternativa an = ou

Obs: O an não pode ser confundido com aut. Ambos significam ou, mas an traz sempre sentido de contrariedade entre duas indagações, traz sempre sentido de oposição, enquanto aut separa apenas dois sujeitos ou dois objetos de uma mesma pergunta sem indicar oposição: 

Vultisne panem aut crustum? = quereis pão ou pastel?

Nesta pergunta não há oposição, ou seja, pode ser escolhido somente o pão ou somente o pastel, assim como podem ambos serem escolhidos.



Caso seja ligado pela alternativa negativa ou não, usa-se:

an non caso a interrogativa seja direta (ou seja, quando é terminada graficamente por ponto de interrogação ou por entonação crescente quando oralmente):

Visesne me cras an non? = Virás visitar-me amanhã ou não?

necne caso a interrogativa seja indireta (ou seja, quando não termina graficamente por ponto de interrogação ou quando a entonação é decrescente):

Ex te quaero visurusne me sis cras necne

Pergunto-te se me visitarás amanhã ou não


Paulo Barbosa

quarta-feira, 16 de julho de 2014

SUJEITO ACUSATIVO II

SUJEITO ACUSATIVO, o nome mesmo já diz, é quando o termo que é sujeito numa oração está no caso acusativo por ser objeto direto do verbo da oração antecedente, que é a principal. Então, sempre o sujeito acusativo o é de uma oração subordinada, dependente de uma outra, a principal. Vejamos:

CREIO QUE AÉCIO GANHE

Em latim não há como verter esta oração da maneira como está. Para fazê-lo, deve-se observar o seguinte:

o 'que' não entra na jogada, ou seja, não se traduz;

o sujeito da subordinada, Aécio, vai para o acusativo, isto por ser objeto direto do verbo principal, creio;

o verbo da subordinada vai para o modo infinitivo.


CREDO AECIUM CREARE


Aecium = sujeito da oração subordinada, está no acusativo = sujeito acusativo. E isto por ser objeto direto de 'credo', eu creio, a oração principal. 


CREIO QUE O SOL BRILHE = CREDO SOLEM FULGURARE

ACREDITO QUE JOÃO É BOM = CREDO JOANNEM ESSE BONUM

JULGO MARIA INTELIGENTE = PUTO MARIAM ESSE RATIONABILEM





Paulo Barbosa



terça-feira, 15 de julho de 2014

FORE UT, UM CIRCUNLÓQUIO SUBSTITUTO

FORE UT é um circunlóquio latino usado em lugar do infinitivo futuro levando o verbo da subordinada para o subjuntivo. Outro que pode ser usado da mesma maneira é FUTURUM ESSE UT.

Então,

Spero fore ut Caesar Maia senator creetur = espero que César Maia se eleja Senador (ou, espero que venha a acontecer que César Maia seja eleito Senador). Ou:

Spero futurum esse ut Aécio Neves praeses creetur = espero que Aécio Neves se eleja presidente.

Paulo Barbosa




TIPOS DE VERBOS

Alguns tipos de verbos latinos são nomeados de acordo com a indicação que expressam e introduzem as suas orações subordinadas com partículas específicas que, entretanto, não iremos tratar aqui.


VERBA IMPEDIENDI (Verbos de Impedimento) são todos os que indicam impedimento, tal como, impedire.

VERBA OBSTANDI (Verbos de Obstar), tal como obstare.

VERBA PROHIBENDI (Verbos de Proibir), tais como prohibere, recusare.

VERBA DUBITANDI (Verbos de Duvidar), tal como dubitare.

VERBA OMITENDI (Verbos de Omitir), tais como ommitere, deese, abesse.

VERBA SE CONTINENDI (Verbos de Conter-se), tal como continere.

Paulo Barbosa

sábado, 24 de maio de 2014

A LOCUÇÃO 'SUSQUE DEQUE'


'Susque deque' é uma expressão adverbial latina encontrada sempre na conversação dos homens sábios, assim como em vários poemas e cartas antigas.

Mas o que tal expressão significa?

Significa: 'de cima para baixo'. 

Unida a verbos, tais como 'ferre, habere, esse', tem o seguinte uso:

Susque deque ferre = fazer pouco caso de; não se importar com; permanecer calmo e não se agitar como o que acontece, ser indiferente a. - Este mesmo significado tem o 'suque deque habere, esse'.

De Maria susque deque = em relação a Maria pouco me importa.

De pila susque deque = não estou nem aí para bola.


Décimo Labério (106-43 a.C.), ilustrado escritor romano de mimos satíricos, nos deixou o seguinte verso em sua obra Compitais:

'Nunc tu lentus, nunc tu susque deque fers' = 'agora tu és lento, agora tu te movimentas indiferente'.


Marco Varrão (116-27 a.C.), pensador romano, em sua obra Sisena nos legou:

'Quod si non horum omnium similia essent principia ac postprincipia, susque deque esset' = porque se as semelhanças das horas todas não fossem princípios e pós-princípios, isso seria indiferente'.


Lucílio (170-84 a.C.), poeta e dramaturgo romano, em seu terceiro poema, diz:

'Verum haec ludus ibi susque omnia deque fuerunt' = 'mas essas coisas indiferentemente todas foram ali um jogo'.

Paulo Barbosa